sexta-feira, 20 de maio de 2016

Mãe da Divina Graça

Mater divinae gratiae, ora pro nobis.



Aproximemo-nos, pois, confiadamente do trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e achar a graça de um auxílio oportuno. (Hebreus 4)




"O que pode significar "Mãe da Divina Graça"? Pergunta-se o Padre Paschoal Rangel (1). Ele nos ensina:

Mãe da graça, Maria. Antes de tudo, porque Mãe de Jesus, a quem o Apóstolo chamou, não só de autor da graça, mas com o próprio nome de graça: "Apareceu-nos a graça de Deus, nosso Salvador" (Tito 2: 11). Mas também porque ela mesma estava toda inundada de graça: "Ave, ó cheia de graça" - lhe disse o Anjo da Anunciação. A expressão "mãe da graça" é um hebraísmo, uma maneira de dizer própria dos hebreus, para indicar algo muito forte, como essa plenitude de que falou o anjo Gabriel. Mãe da graça tem analogia com locuções como: "Homem das dores" (homem mergulhado em dores); "homem de sangue" (homem sanguinário, ou também o muito unido a nós, o parente, o que tem o mesmo sangue que nós), "homem de misericórdia" (ou seja, misericordioso, cheio de bondade e capacidade de perdão)... Mãe da divina graça é, pois, aquela que está tomada pela graça de Deus, graça que é amor, entrega, dom, e mais: é o próprio Deus nela.Mãe da divina graça, Maria, porque "agradável" a Deus: "kekhatitoménè", como diz o evangelho de S. Lucas em grego, isto é. a "agraciada", a que foi "amada", "embelezada", a toda agradável, aquela que, como Jesus, fazia as complacência do Pai (Mateus 3: 17)Enfim, Mãe da divina graça, porque com Jesus, em Jesus, por Jesus, em dependência de Jesus, ela nos gera para a graça, ou melhor, ela engendra (gera) a graça divina em nós, maternalmente, conferindo a esse Deus em nós, a essa presença amorável de Deus em nós, uma espécie de caráter maternal, feminino, mariano.Por tudo isso, Mãe da divina graça, rogai por nós.



Anunciação - Fra Angelico (Museo del Prado)



José Maria Lopez Ferreira faz um belíssimo estudo (2), pelo qual foi premiado pela Fundación Cari Filii, sobre a expressão "Trono da Graça", perguntando-se sobre a aplicação desta à Maria. Graça esta que "entrou no mundo porque Maria aceitou a proposta de Deus que o anjo lhe revelara ao saudá-la como "cheia de graça", como a mulher participante de modo singular da vida divina", escreve Basadonna (3).  
"Deus realmente deixa os sábios confusos", afirma o Pe Joãozinho ao refletir sobre esta invocação, pois Ele "falou a uma mulher, em um tempo em que mulheres não tinham nem voz, nem vez, nem voto" (4).




A Virgem Maria é Medianeira de Todas as Graças, pois ela nos deu Jesus Cristo

O título de “Medianeira de todas as graças”, atribuído a Nossa Senhora, tem o seu significado ligado principalmente à participação da Mãe de Deus no Mistério da Encarnação do Verbo e no Mistério Pascal de Jesus Cristo. Mas esse título tem seu significado ligado também à mediação materna da Mãe de Deus sobre toda a Igreja e cada um dos fiéis em particular. Desde os primórdios do Cristianismo, o povo de Deus recorria a Virgem Santíssima, e a Tradição da Igreja já reconhecia a sua participação singular no Mistério de Cristo e na vida dos fiéis. Esse costume de recorrer a Santíssima Virgem é atestado pela mais antiga oração mariana de que se tem conhecimento, do século III, que em latim se chama Sub tuum præsidium, e significa “À vossa proteção”.
As imagens de Nossa Senhora, muitas delas retratadas até mesmo em cavernas e catacumbas, onde se reuniam os primeiros cristãos para rezar, também nos ajudam a compreender que a mediação da Mãe do Senhor faz parte do Cristianismo desde o princípio. Tendo em vista a importância do significado do tema para a Igreja de todos os tempos, trataremos brevemente sobre a Virgem Maria “Medianeira de todas as graças” a partir da doutrina do Corpo Místico de Cristo, presente nas Sagradas Escrituras; dos ensinamentos dos santos e dos doutores da Igreja; da doutrina do Magistério da Igreja.



Os mediadores junto ao único Mediador

Para falar da mediação da Virgem Maria, vamos partir da Palavra de Deus, mais especificamente da Carta de São Paulo a Timóteo, na qual está escrito: “Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e a humanidade: o homem Cristo Jesus, que se entregou como resgate por todos”1. Por essa passagem, não há dúvida de que o apóstolo Paulo diz claramente que existe um só mediador entre Deus e os homens2. Mas, voltando alguns versículos, também está escrito: “Antes de tudo, peço que se façam súplicas, orações, intercessões r ação de graças por todas as pessoas, pelos reis e pelas autoridades em geral, para que possamos levar uma vida calma e tranquila, com toda a piedade e dignidade”3.
Nesses versículos, o apóstolo dos gentios pede que se “façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças”4 pelas necessidades da comunidade e por toda a sociedade da época. Mas se Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens, por que Paulo pede a Timóteo e a sua comunidade que intercedam por suas necessidades e as de outras pessoas? O apóstolo faz isso, porque tem a clareza de que o único Mediador é a Igreja, é o Cristo Total, que é formado pela Cabeça, que é Jesus, e por nós, membros do Corpo Místico de Cristo5. Fazemos parte do Corpo de Cristo, por isso participamos da mediação do único Mediador, que é Cristo. Dessa forma, a “mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte”6. No entanto, somos pessoas cheias de fraquezas, inconstantes, pecadores, e Deus sabe que somos indignos e incapazes, por isso teve piedade de nós e, para nos dar acesso às suas misericórdias, concedeu-nos intercessores poderosos junto da Sua grandeza7.

A Medianeira como caminho para chegar ao Mediador

Pela Sua infinita caridade, Jesus Cristo tornou-se a nossa garantia e o nosso Mediador “junto de Deus, Seu Pai, para aplacá-lo e pagar-lhe o que lhe devíamos. Mas será isso uma razão para termos menos respeito e temor à sua majestade e santidade? Digamos, pois, abertamente – com São Bernardo – que temos necessidade dum mediador junto do mesmo Medianeiro, e que Maria Santíssima é a pessoa mais capaz de desempenhar essa função caridosa. Foi por Ela que nos veio Jesus Cristo; é por Ela que devemos ir a Ele. Se receamos ir diretamente a Jesus Cristo, nosso Deus, por causa da sua grandeza infinita, ou da nossa miséria, ou ainda dos nossos pecados, imploremos ousadamente o auxílio e a intercessão de Maria, nossa mãe”8.
À vista disso, compreendemos que a grandeza de Deus e a miséria humana são motivos suficientes para recorrer a Medianeira de todas as graças. Para chegar até Deus, segundo São Bernardo e São Boaventura, temos que subir três degraus: “o primeiro, que está mais perto de nós e mais conforme à nossa capacidade, é Maria; o segundo é Jesus Cristo, e o terceiro é Deus Pai. Para ir a Jesus é preciso ir a Maria: Ela é a nossa Medianeira de Intercessão. Para ir ao Eterno Pai é preciso ir a Jesus: nosso Medianeiro de Redenção”9. No que diz respeito a Virgem Maria, devemos esclarecer que ela não é somente medianeira de intercessão no sentido mais comum da palavra, que é de interceder por nós, mas também no sentido de intervir concretamente em nossas vidas.

A Medianeira e a sua maternidade espiritual

A doutrina a respeito da maternidade espiritual da Virgem Maria sobre os fiéis atravessou os séculos e se faz presente na Igreja até os nossos dias, inclusive nos principais documentos do magisteriais do Concílio Vaticano II, como a Constituição Dogmática Lumen Gentium e o Catecismo da Igreja Católica. Mas, novamente vamos partir da Palavra de Deus que, a respeito do Corpo Místico de Cristo, diz: “Um homem e um homem nasceu d’Ela”10. Neste versículo do Salmo 86, “segundo a explicação de alguns Santos Padres, o primeiro homem que nasceu de Maria foi o Homem-Deus, Jesus Cristo; o segundo é um homem impuro, filho de Deus e de Maria por adoção”11. Se Jesus Cristo, cabeça do Corpo Místico da Igreja, nasceu da Virgem de Nazaré, todos os predestinados, membros dessa Cabeça, também devem nascer dela, por uma consequência necessária.
Visto que, a mesma mãe não pode dar à luz a cabeça sem os membros, nem os membros sem a cabeça. Isso seria uma monstruosidade na ordem da natureza. Do mesma forma, na ordem da graça, a cabeça e os membros nascem também de uma só Mãe: a Virgem Maria.
Se um membro do Corpo Místico de Cristo nascesse de outra mãe que não fosse a Mãe de Deus, que gerou a Cabeça, não seria um predestinado nem um membro de Jesus Cristo, mas sim um monstro na ordem da graça 12. Por disposição divina, a Santíssima Virgem, “concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no templo, padecendo com Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo singular, com a sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É, por essa razão, nossa mãe na ordem da graça”13. Essa maternidade espiritual de “Maria, na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento que fielmente deu na anunciação 14 e que manteve inabalável junto à cruz 15, até à consumação eterna de todos os eleitos”16. Isso significa que a mediação materna da Mãe da Igreja é universal e particular, que ela é “Medianeira de todas as graças”

O significado do título de Maria “Medianeira de todas as graças”

Portanto, a Palavra de Deus, a Tradição da Igreja sempre consideraram a mediação humana junto a Jesus Cristo, o único Mediador, pois a Santíssima Trindade não quis salvar a humanidade sem a cooperação dos homens. Na História da Salvação, desde a Antiga Aliança, muitas foram as mediações humanas como Abraão, Moisés, os reis, os profetas, as santas mulheres, os apóstolos e discípulos de Jesus Cristo. Mas, na plenitude dos tempos, Deus suscitou a mediação singular da Virgem Maria para o desígnio da Salvação da humanidade.
Nossa Senhora esteve presente em toda a vida terrena de Seu Filho Jesus Cristo, desde o Mistério da Encarnação do Verbo, passando pela Sua vida oculta em Nazaré e a sua vida pública, até a consumação do Mistério Pascal. Como que para simbolizar a sua mediação, depois da Ascensão do Senhor aos Céus, a Santíssima Virgem permaneceu com os apóstolos e discípulos. Essa mediação de Maria, que permanece pelos séculos até a consumação eterna de todos os eleitos, não exclui a mediação de Cristo, mas antes é um caminho mais fácil para chegar até o Filho, nosso único Mediador junto ao Pai. No entanto, essa mediação da Mãe da Igreja se diferencia radicalmente das outras mediações humanas por seu caráter materno.
A Virgem de Nazaré não somente gerou o Filho de Deus, mas também o alimentou, educou e acompanhou durante toda sua vida, até o momento supremo de sua existência terrena, a sua doação total no sacrifício da Cruz. Isso significa que a Virgem Maria é medianeira universal, pois ao entregar-se inteiramente ao seu Filho Jesus, ela cooperou na obra da salvação de toda a humanidade. Ao mesmo tempo, Nossa Senhora é nossa medianeira particular, porque sua maternidade espiritual estende-se também a cada um de nós, que somos membros do Corpo de Cristo. Nós somos gerados, alimentados, educados e acompanhados pela Mãe da Igreja por toda a vida, por isso ela é também nossa medianeira de modo particular.
Dessa forma, a Virgem Maria é medianeira de todas as graças, pois ela nos deu Jesus Cristo, a graça incriada e eterna, e nos dá todas as graças necessárias para a nossa salvação, que nos foi alcançada pelo sacrifício único e definitivo de seu Filho no alto da cruz. Embora “Medianeira de todas as graças” seja um título de Nossa Senhora, e não um dogma de fé, o senso de fé do povo de Deus e a Igreja Universal são favoráveis a este, tanto que a sua celebração é reconhecida na Liturgia. Em 1921, o Papa Bento XV concedeu o Ofício e a Santa Missa da Bem-aventurada Virgem Maria “Medianeira de todas as graças”. A sua celebração, no dia 31 de maio, aconteceu primeiramente na Bélgica, mas se difundiu rapidamente por toda a Igreja.
“A devoção também chegou no Brasil e, no sul do país, ganhou enorme expressão. Em 1928, foi introduzida no Seminário São José, da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, através de um santinho recebido da Bélgica por padre Inácio Valle”17. À Medianeira junto ao Mediador, recorramos com toda a confiança:
Bem-aventurada Virgem Maria Medianeira de todas as graças, rogai por nós! (5)


História de Nossa Senhora das Graças, ou Nossa Senhora da Medalha Milagrosa.


Hino - Do Ofício das Leituras da Solenidade do Imaculado Coração da Virgem Maria


Aquele a quem adoram
o céu, a terra, o mar,
o que governa o mundo,
na Virgem vem morar.

A lua, o sol e os astros
o servem, sem cessar.
Mas ele vem no seio
da Virgem se ocultar.

Feliz, ó Mãe, que abrigas
na arca do teu seio
o Autor de toda a vida,
que vive em nosso meio.

Feliz chamou-te o Anjo,
o Espírito em ti gerou
dos povos o Esperado,
que o mundo transformou.

Louvor a vós, Jesus,
nascido de Maria,
ao Pai e ao Espírito
agora e todo o dia.

Notas:

1 - RANGEL, 1991, pg 19 e seguintes.
2 - FERREIRA, José María Lopez. Maria, Trono de Gracia. Premio Letras – Premios Fundación Cari Filii 2014.  
3 - BASADONNA, 2000, pg 75.
4 - ALMEIDA, 2010, pg 40.
5 - O que significa ser Medianeira de Todas as Graças. In, Canção Nova: Formação.

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